quinta-feira, 25 de setembro de 2014

Cavalo emprestado

Nem sempre o cavalo emprestado é "das confiança", como o zaino Chupim...

Cavalo emprestado


Cheguei apezito na estância
Me ofereceram um gateado
Que olhando assim a distância
Me achei até bem calçado

Mas o cavalo era um assombro
E me pôs em cada apuro
Cheio de “cósca” no lombo
Boca ruim e queixo duro

Quê bicho bem desgraçado
Uh, gateado loco mal!
Nunca vi tão mal domado
Tão maleva e tão bagual!

Lá me fui de bota lisa
Por não fazer desfeita
Que espora até não precisa
Se a doma foi direita

Mas o pingo era malvado
Só esperou calçar o estribo
E num arranco desalmado
Se pôs a pelear comigo

Ah, que filho duma égua
Não aceito de ninguém
Se tu não vai dar trégua
Tu não vai ganhar também

Quê bicho bem desgraçado
Uh, gateado loco mal!
Nunca vi tão mal domado
Tão maleva e tão bagual!


Bombeei e atei parelho
No tronco de uma figueira
Peguei chilena e relho
Pra coisa andar ligeira

Torci a mão nas crina
E se veio nuns agacho
O couro comendo por cima
Chilenas mordendo por baixo

Não aceito desaforo
Muito menos de cavalo
Agora fala com o couro
Pois contigo eu já não falo

Quê bicho bem desgraçado
Uh, gateado loco mal!
Nunca vi tão mal domado
Tão maleva e tão bagual!

É meus amigos, cavalo emprestado é que nem político... nunca se sabe o que eles vão aprontar! 





 



segunda-feira, 22 de setembro de 2014

De partida

Mais uma pra série "os brutos também amam"...

De partida

Deitaste as crinas sem aviso
Deixando um vazio por aqui
Te deito uns versos de improviso
Pra me deixar perto de ti

Pois agora o que me resta
É lembrar da bela morena
Que deixava meu peito em festa
Me amando feito um poema

E quê falta de mergulhar
No teu corpo encoxilhado
E só de me relembrar
Já me sinto pealado

O galpão de céu cobrido
A noite enfeitada de lua
E eu tecendo um vestido
De beijos na silhueta nua

E até as tábuas do salão
Sentem saudade dos teus pés
Quando as riscava, com paixão
Bailando tangos e chamamés

quinta-feira, 18 de setembro de 2014

Pampa adentro



Pampa adentro

Quando a saudade do pago
Me senta as esporas no peito
Reaviva lembranças que trago
Que me fizeram deste jeito

E lamento não estar mais perto
Meu pampa de amor antigo
Sempre te tenho, por certo
Mas pouco te tenho comigo

Pero, o tempo é patrão e senhor
Dessas distantes memórias
Onde o pampa é sangrador
De recuerdos e de histórias

Então me deixo viajar no tempo
Num galope cruzando distância
Montado na garupa do vento
Para a minha pampeira infância

Adentro na quietude dos campos
Num verde sem fim que acalma
E entrevejo heróis e santos
Neste sumidouro das almas

Minuano me sopra um afago
Então campeio um sentimento
Que me leva a trote largo
Para sentir-me pampa adentro




segunda-feira, 15 de setembro de 2014

Joia morena


Mais uma pra série "os brutos também amam"... Pobres embuçalados!

E o sujeito quis retouçar, porém ela negou-lhe o estribo, porque já trazia mais de quatro pelo beiço, que eram dali, da querência, e aquele tal dos versos era teatino...
                                                                                                Simões Lopes Neto


Morena pisa-peito

Tinha uma joia amorenada
Que desfilava no Laranjal
E já levava, de arrastada
Meia dúzia pelo buçal

Por saber-se gaúcha e bela
Provocava, bem querendona
Rindo de quem pensasse nela
Montadita em sua carona

Tinha uma tropilha encilhada
De querentes a disposição
Mas só negaceava, malvada
Lhes pisando o coração

Me decidi que era hora
De acabar com aquele rodeio
E avisei:  "Mas é agora
Que essa morena ganha freio!"

Me atirei direito a moça
E me fui aos trancaços
Que esse tipo se doma a força
E a base de tironaços

Meti os arreios, de pouquinho

E fui amansando a xirúa
Que boquejou-me bem baixinho
"Meu amor, quero ser tua"

Mas fiquei loco de faceiro
Que o coração não cabia no peito
E lhe plantei, namoradeiro
Uma mudinha de amor-perfeito

Com aquele jeito redomona
Mas ainda antes que fosse
Até lhe queria por dona
Pois quanto mais xucra mais doce

Mas bastou afrouxar a rédea
Que a morena me escorregou
E me fez servir de comédia
Pros outros que ela deixou

E quase choro emocionado
Vendo as mudinhas de amor-perfeito
Pois sou mais um embuçalado
Com a marca da morena no peito





segunda-feira, 8 de setembro de 2014

O fantasma do zaino

Essa é daquelas pra ler em noite de lua grande, ao redor de uma fogueira. Convém deixar os pingos bem atados, pros viventes não sumirem, escagaceados!



O Fantasma do Zaino

Corria a lenda na terra
Que penava naquelas bandas
Um cavalo morto na guerra
Atravessado a golpes de lança

E todo vivente se benzia
De cruzada pelo cemitério
Que mui antigamente servia
De morada a mortos gaudérios

Diz que o zaino assombrado
Morreu pra salvar o dono
Mas era o taura, guasqueado
Que tinha o pingo por trono

Pois no campo santo jazia
Sem cruz, o infeliz ginete
Que nada mais carecia
Que a oração do seu flete

Assim as almas penavam
Morridas da mesma morte
Perdidos no limbo campeavam
Talvez no assombro melhor sorte

Certa noite um mais topetudo
Prometeu desvendar o espanto
E meteu-se de cavalo e tudo
Lá no meio do campo santo

O picaço que ia estacou
Quando ouviu longe um nitrido
Pois o torena se apavorou
E arrependeu-se de ter ido

Olhou assim meio torto
E lá no fundo do cemitério
Entreviu o zaino já morto
Metido no basto gaudério

Parecia esperar, escarvando
Que o ginete lhe remontasse
E já se via logo carregando
Pra onde o dono mandasse

Pois o metido meteu as esporas
Bem com vontade no picaço
E gritou “vamo simbora!”
Entransilhado de tanto cagaço

Contou o que viu no bolicho
Pra quem quisesse escutar
“Tem olhos de fogo o tal bicho,
Nunca mais piso por lá”

Por lá ninguém mais pisou
E a lenda grande que era
Ficou maior e firmou
E o lugar foi virando tapera

Vez que outra alguém conta
Que ouviu o grito “Carrega!”
E o ginete finado remonta
Peleando uma fantasma refrega

E todo começo de outono
Em noites de lua cheia
Se escuta o tropel do zaino
E o sangue gela nas veia



quarta-feira, 3 de setembro de 2014

Peleando é que se vê

Peleando é que se vê
Do que um gaúcho é feito
Marcado que foi ao nascer
Com guerra e orgulho no peito

Se entrevê um pouco da alma
Que não se assusta com isso
E se vê no entrevero com calma
Pois pro gaúcho guerra é serviço

A peleia forjou essa terra
E formatou esse rincão
Não é que goste da guerra
Mas ama demais o seu chão

E tá sempre preparado
Pra batalha e pra continência
Para honrar nosso passado
E defender nossa querência

E peleando é que se vê
Que o taura não afrouxa o garrão
Pois ainda está pra nascer
Quem dobre o homem deste chão!



quinta-feira, 28 de agosto de 2014

Meu velho....

Se estivesse vivo, meu pai completaria por agora mais uma primavera.  Longe de ser santo, era uma gaúcho andejo e teatino: sem pouso certo, vivia no pampa e bastava. Fez força pra partir e se foi cedo, mas já devendo pra morte!



Meu velho

Meu velho, guasca nativo
Se tivesse um pouco de santo
Ainda hoje estaria vivo,
Se não tivesse vivido tanto,

Passou a galope na vida
Jogando e perdendo da sorte
Que existência assim vivida
Peleando de frente com a morte

Taura como os de outrora
No pampa sempre faceiro
Mesmo nos tempos de agora
Tinha orgulho de ser campeiro

Conhecia bem as verdades
Das lidas da gente de fora
E mesmo quando nas cidades
Não descalçava bota e espora

O cuchillo viejo, patriarca,
Atravessado no espinhaço
Bombacha, faixa e guaiaca
Me parecia um gaúcho de aço

Muito longe e pouco perto
Não lembro de tempos compridos
Sempre te tive, por certo
Mas pouco te tive comigo

Foi preciso preencher memórias
Nos espaços de um campo vago
De momentos e de histórias
Que são fortes e ainda trago

Dom Oscar, mãos de tenaz
E também voz de trovão
Mesmo assim era capaz
De ser poesia e coração

Quando novo, quadras de campos
Que perdeu por muito amá-las
E amores nem sempre são flores
Mas ainda é preciso regá-las

Morou pelos quatro cantos
Mas só vivia na fronteira
Juntou nada e juntou tanto
Vida teatina, campeira

Me deixou de herança
Livros e uma velha boina
Saudades de uma infância
E uns versos de cordeona...

Viveu como quem sabe
Que nos pagos não se demora
Esgotou os “Deus lhe pague”
E mui temprano se foi embora

E eu que não sou de reza,
Me peguei folheando o Evangelho
É que a alma as vezes pesa,
Mas quê saudade do meu velho!




O Gaúcho e o Cavalo

Sempre torci o queixo para o livro "O Gaúcho" de José de Alencar. Afinal, que poderia um pisa flores como ele saber de nossa cultura? Terminei ontem de madrugada e, apesar de alguns exageros, típicos da época em que foi escrito, foi uma grata surpresa tê-lo conhecido finalmente.

As aventuras de Manuel Canho para vingar o pai e acalmar a alma são acompanhadas de perto por seus cavalos, a quem ele tinha como irmãos. E essa essência, de Centauro do Pampas, Alencar soube expressar muito bem. Com bem menos talento, por supuesto, fiz algum tempo atrás uns versos que agora compartilho. Ainda com a lembrança dos pingos literários Juca, Morena, Ruão e Morzelo! Que Deus os tenha, assim como todo flete pampeano, extensão e alma do gaúcho!



Se meu cavalo falasse

Tenho um cavalo de ouro,
Daqueles que não se esquece,
Mas tá partindo, meu mouro
Pois cavalo também envelhece!

Meu flete está me deixando,
Mas pra sempre vou lembrá-lo,
Vai meu pingo trotando,
No rumo do céu dos cavalos...

Não queria ver o momento
Do final desta parceria,
De rédea um pensamento,
Ah, que baita montaria!

Se o meu cavalo conversasse,
Quantas histórias contaria
Ah, se o meu pingo falasse,
Quem sabe o que ele diria...

"Troteei na pampa afora,
Paleteando muito boi brabo,
Já servi de carga e escora,
Mas sou forte e nunca me acabo

Cavalguei faceiro no corredor,
Levando no lombo o ginete,
Que sempre me deu valor,
E me tratava feito gente

Era bem mais que meu dono,
Pois era como um amigo,
Montava com tope e entono
E sempre contava comigo!

Nas correrias de marcação
Ou trotando rumo à mangueira
Nem precisa rédea na mão,
Quando a dupla é bem parceira

Quando se ia pros fandango,
As pilchas bem arregladas,
Levava na mão um mango,
Mas só pra fazer fachada!

E eu ia loco de bueno,
Pateando de cola alçada,
Faceiro feito sinuelo,
Desfilando pela estrada

Mas o tempo passa pra todos,
E passou pra mim também,
Vieram pingos mais novos,
Só me restou dizer amém!

Mas não me arrependo de nada,
E sempre vou confirmá-lo...
Tive a existência iluminada,
Que bom que nasci cavalo!"





 

Falta de laço

Que há leis no país, ninguém duvida! E não sou poucas... Mas por muitas é que se enredam. As vezes, o que resolve, é a boa e velha tunda de laço!



Falta de laço

Teu problema é falta de laço,
Pois o trabalho não mata ninguém,
Mal te mexe e já alega cansaço,
Mas sempre disposto a tirar de alguém

Se eu te pego te dobro de relho,
Te vergo a coice e te largo no chão,
Pra certas coisas tá sempre ligeiro,
Mas pra enxada eu aposto que não!

Todos já sabem - até as macegas,
Que o problema tá na educação,
Mas se dá a chance e o matungo se nega,
Tem que assar o lombo feito redomão!

E não me venha dizer que tem pena,
Que tem o tal dos direitos humanos,
Que o maleva se encolhe e faz cena,
E fica se rindo debaixo dos panos!

Por isso te digo, maleva do inferno
Vê se te ajeita e trota parelho,
Pois se te pego a coice te envergo,
Te asso o lombo com o couro do relho!